Por Gilberto
Medeiros, diretor jurídico da SBAV/SP)
Os leitores da SBAV-SP devem
estar se perguntando: a SBAV não é uma associação dedicada ao vinho? Sim, a
SBAV-SP é uma associação dedicada ao vinho e também a outras bebidas que nos
conferem prazer, desde que degustadas com parcimônia e com responsabilidade.
Por isso, hoje vamos tratar de um
assunto um pouco diferente, mas que igualmente faz parte de uma paixão
nacional: a cerveja.
Como sabemos, a cerveja é uma das
bebidas que conferem prazer gustativo ao brasileiro, e que por motivos
climáticos e históricos é a bebida mais consumida aqui na terra brasilis.
E por tal motivo, sempre há um
certo orgulho de nós, brasileiros, quanto à cerveja produzida por aqui. Esse
orgulho, somado a um certo bairrismo, nos faz com que sempre perguntemos a um
estrangeiro, principalmente aos europeus, o que acham da qualidade de nossa
cerveja.
E a resposta, invariavelmente, é
um certo desdém, um certo “torcer o nariz”, ao dizerem que a nossa cerveja é
muito leve, quase que apenas água, ou seja, é muito diferente das cervejas
consumidas por lá. E de certa forma não estão errados, como veremos a seguir.
Mas afinal, o que é a cerveja? A
definição mais simplista de uma cerveja é uma bebida alcoólica carbonatada, produzida com água e a fermentação de
materiais com amido, principalmente cereais maltados como a cevada e o trigo,
podendo-se utilizar outros ingredientes como lúpulo, fermento, e ainda frutas,
ervas e outras plantas.
Ocorre, entretanto, que esta
bebida milenar (os sumérios e os egípcios antigos já bebiam cerveja) é mais
complexa do que imaginamos, posto que existe, mundo afora, diversos tipos
diferentes de cerveja (veja que para ser cerveja, basta seguir aquela definição
acima).
Assim, não é incomum ouvirmos
falar sobre cervejas Pilsen (ou Pilsener), Bock, Stout, Weissbier, Red Ale etc.
Mas o que quer dizer tudo isso?
Bem, para explicarmos, primeiro
temos que procurar distinguir os tipos de cerveja existentes. E esses tipos são
formados, basicamente, por dois grupos de
cerveja, que se diferem pelo tipo de levedura que utilizam e sua atuação
durante o processo produtivo, e que possuem
várias subespécies.
São elas:
1) Lagers (pronuncia-se lá-guer):
Originárias da Europa Central, é um tipo de cerveja fermentada com uma levedura
que trabalha melhor em temperaturas mais baixas. Geralmente são produzidas em
baixas temperaturas, entre 6 e 12°C. São as cervejas mais consumidas no mundo,
tendo como expoente as cervejas da subespécie Pilsen, ou Pilsener. Normalmente
são cervejas douradas e filtradas, mas algumas variações são escuras, e
geralmente possuem graduação alcoólica entre 4 e 6%. Algumas de suas subespécies:
- Pilsen (ou Pilsener): Cerveja originária da cidade de Pils, na
atual República Tcheca. É a cerveja mais consumida no mundo. Tem sabor delicado
(leve amargor), leve, clara, filtrada e de baixo teor alcoólico (entre 3% e
5%).
- American Lager: Cerveja leve e refrescante, feita para matar a sede
e serem bebidas bem geladas. É o tipo de cerveja mais consumida nos Estados
Unidos, tendo como exemplo a Budweiser. A maioria das cervejas populares no
Brasil, como Skol, Brahma, Antartica e outras, são deste tipo, embora
apresentem em seu rótulo a denominação de Pilsen (mas para este que escreve,
para serem uma verdadeira Pilsen falta corpo/cevada), e correspondem a pelo
menos 95% das cervejas consumidas por aqui.
- Bock: Cerveja originária da cidade de Einbeck, na Alemanha. Esta
cerveja também tem grande aceitação mundial, e geralmente são avermelhadas ou
marron. São fortes, encorpadas e possuem um complexo sabor maltado devido às
misturas de maltes. De graduação alcoólica alta, geralmente entre 6%
(tradicionais) e 14% (Eisbock).
- Dunkel: São cervejas escuras-avermelhadas, produzidas originalmente
em Munique, na Alemanha. Possuem sabor maltado, derivado de maltes torrados,
possui baixo corpo, e de paladar seco.
- Malzbier: Cerveja escura e doce, de graduação alcoólica baixa, na
faixa dos 3 a 4,5%. Trata-se de uma cerveja em que, após sua filtração, são
adicionados caramelo e xarope de açúcar, de onde vem sua coloração escura (que
não vem do malte tostado) e o sabor adocicado. Embora ainda seja muito
conhecida aqui no Brasil, não é encontrada mundo afora, e na Alemanha, seu país
de origem, não é tratada mais como cerveja, e sim como bebida energética.
2) Ales (pronuncia-se êiol):
Este tipo de cerveja é produzido a partir de cevada maltada, usando uma
levedura que trabalha melhor em temperaturas mais elevadas, geralmente entre 15
e 24°C. São, portanto, cervejas de alta fermentação, que possuem sabores
complexos (mais malte e mais lúpulo), mais frutado e são mais encorpadas e
vigorosas. Algumas de suas
subespécies:
- Pale Ale (pronuncia-se pêiol
êiol): São as Ales claras, com graduação alcoólica até 6%. Foram criadas na
Inglaterra para competirem com as cervejas Pilsen durante a Segunda Guerra
Mundial, portanto compartilham a característica de serem mais suaves. Possuem
coloração âmbar, baixo-médio corpo, e saboroso amargor.
- Amber/Brown/Red Ale: Similares às Pale Ale, diferenciam-se destas
últimas na coloração, mas as acompanham em corpo e potência. A Red Ale, por
exemplo, é avermelhada devido ao uso de um pouco de malte tostado.
- Strong Ales: Denominação genérica que inclui uma variada gama de
cervejas que podem ser claras ou escuras. Possuem alto teor alcoólico, que vai
de 6% e pode chegar a 12%. Dentro deste grupo está a Old Ale britânica
Fuller’s.
- Stout (pronuncia-se istaut):
Cevejas escuras (negras), na cor café, opaca, dotada de forte sabor de
chocolate, café e malte torrado e possui pouca carbonatação. Possui alto teor
alcoólico, de 8 a 12%, e sua representante mais famosa é a irlandesa Guinness.
- Porter: Comumente confundida com a Stout, são igualmente escuras,
mas típicas da Inglaterra. É um pouco mais suave que sua parente Stout (de 1 a
2% a menos de álcool), porém possui aromas e gosto parecidos com aquelas.
- Weissbier: É uma cerveja feita a base de trigo, e originária da
Baviera, sul da Alemanha. Tem cor clara e opaca e geralmente não são filtrada,
sobressaindo o trigo com a qual foram produzidas. Tem sabores frutados (banana
e maça), e olfato de especiarias (especialmente cravo) e florais. É uma cerveja
bastante refrescante e de graduação alcoólica moderada (entre 5 e 6%)
3) Outras denominações: Além das “famílias” acima definidas,
destacamos também outras denominações, que para este que escreve não chegam a
ser consideras “grupos” distintos de cervejas, mas merecem esta análise. São
elas as excelentes cervejas belgas denominadas de “Trapistas”, as “Abbey”, as
Lambics e o tradicional “Chope”, a seguir definidos:
- Trapistas: Originárias da Bélgica, são cervejas produzidas sob
supervisão de monges da Ordem Trapista. São produzidas em apenas sete mosteiros,
seis localizados na Bélgica (que produzem as cervejas Westvleterem, Chimay,
Orval Achel, westmalle e Rochefort), e um na Holanda (que produz a cerveja La Trappe). Apenas
esses mosteiros têm o selo de qualidade e denominação trapista. Para alguns,
inclusive para este que escreve, são consideradas as melhores cervejas do
mundo. Trapista
não identifica o tipo de cerveja (embora elas possam ser consideradas um tipo
exclusivo de Ales, posto que são cervejas de alta fermentação e complexas),
apenas indica que foi produzida sob a supervisão de monges da Ordem Trapista.
São cervejas com complexidade aromática e gustativa impressionantes. São
encorpadas, de coloração marrom escura com uma densa espuma bege. Dá para
sentir o gosto do malte torrado e um leve sabor frutado no fim do gole. Algumas
cervejas trapistas possuem tempo de guarda de mais de 10 anos.
- Abbey (ou Cerveja de Abadia): Também originárias da Bélgica, são
cervejas parecidas com as trapistas em termos de fermentação, coloração, olfato
e sabor, entretanto, não possuem origem controlada como aquelas. Podem ser
produzidas em grande fábricas e comercializadas normalmente, desde que sua
receita original tenha sido originária de uma abadia, a qual pode ou não ser de
uma ordem trapista. Poderíamos dizer que se tratam de uma “trapista genérica”,
mas penso que este termo seria desmerecer uma cerveja tão boa quanto as
trapistas.
- Lambics: São cervejas de fermentação espontânea, em que as
leveduras selvagens existentes no ar fornecem a fermentação. São feitas de
trigo, porém não são adicionadas leveduras no mosto, ficando a fermentação a
cargo dos agentes naturais, os quais são encontrados somente numa pequena área
ao redor de Bruxelas (sim, também é originária da Bélgica). Daí sua dificuldade
em encontrá-las, bem como seu preço elevado. É um tipo peculiar de cerveja,
pródigas em aromas, que vão de frutado (cereja, framboesa, banana...) ao
extremamente cítrico.
- Chope: Também chamado chopp, vem da palavra alemã Schoppe (mais exatamente do dialeto
Alsaciano), nome de uma caneca de quase meio litro. Nada mais é do que uma
cerveja não pasteurizada. Por esse motivo, pode ter variações assim como
acontece com a própria cerveja, seguindo vários dos estilo acima citados (por
exemplo, o nosso chopp claro, faz parte do grupo das Americans Lagers, enquanto
o chopp Guiness faz parte do grupo das Stouts).
Bem, feita esta análise inicial,
vamos ao que realmente interessa, observando que este pequeno post não tem a intenção de fazer um
tratado sobre a cerveja, mas sim tratar de assunto talvez um pouco indigesto,
qual seja, a adição de milho, no lugar da cevada (este, o ingrediente mais
importante para a produção da cerveja).
Em recente edição do Jornal Folha
de São Paulo (edição de 06/10/2012), foi publicada a seguinte matéria: “Cerveja
nacional tem muito milho, diz pesquisa da USP”.
Naquele matéria, de autoria de
Reinaldo José Lopes, editor do caderno, “ciência e saúde”, deu-se destaque a
uma pesquisa em que se constatou que grandes
marcas do país chegariam perto de usar 50% de milho, no lugar da cevada, para
produzir a cerveja.
A matéria destaca que em “uma das análises
químicas mais completas já feitas com marcas de cerveja do Brasil e do exterior
dá peso a uma tendência que estudos menores já indicavam: as grandes marcas
nacionais têm elevadas quantidades de milho em sua composição, embora a
matéria-prima tradicional da bebida seja a cevada”.
Ainda destaca-se, naquela
matéria, que ”são os nomes mais conhecidos do público, como Antarctica, Brahma,
Skol e Nova Schin”, e que “a análise sugere que essas marcas estão no limite da
porcentagem de milho como matéria-prima para cerveja que a legislação nacional
determina (45%) ou podem até tê-lo ultrapassado”.
Por outro lado, a pesquisa também
identificou que algumas cervejas produzidas em pequena escala, possuem o teor
de cevada que se espera de uma cerveja de qualidade, que é feita apenas com
água, cevada e lúpulo, como determina a lei de pureza alemã.
A pesquisa é assinada por
cientistas do Centro de Energia Nuclear na Agricultura, da USP de Piracicaba, e
da Unicamp, coordenado pelo cientista Luiz Antonio Martinelli, e foi realizada
com método científico, denominada de “balança de átomos”.
A respeito da matéria, Sady
Homrich, especialista em cerveja e colunista do caderno “comidas” daquele
jornal diz que “o consenso entre os cervejeiros é que diminuir o teor de cevada
acaba afetando a qualidade da bebida”, também que “a boa cerveja é a de puro
malte de cevada”, porque pode-se explorar variações de sabor e aroma, vindas da
secagem e da torrefação da cevada, afirmação esta que conta com a concordância
deste que escreve.
Apesar do argumento dos
fabricantes de que o milho deixaria a cerveja mais “leve”, Homrich diz que “a
grande preocupação da indústria é diminuir os custos.
Segue, abaixo, relação das
cervejas que foram objeto da pesquisa:
Cervejas com alto teor de milho: Antarctica, Antarctica Malzbier,
Antarctica Original, Antarctica Subzero, Bohemia, Brahma Extra, Brahma
Malzbier, Caracu, Crystal Malzbier, Glacial, Itaipava Malzbier, Kaiser Summer
Draft, Nova Schin, Nova Schin Malzbier, Nova Schin Munich, Skol, Skol Beats.
Cervejas com alto teor de cevada: Baden Baden Golden Ale, Baden
Baden Red Ale, Bavaria Premiun, Cevada Pura, Colorado Appia, Colorado Cauim,
Colorado Demoiselle, Eisenbahn Pale Ale, Eisenbahn Rauchbier, Heineken, La
Brunette, Paulistânia, Schmitt Ale, Therezópolis Gold.
Explicado, agora, porque nossa
cerveja é considerada medíocre para os europeus?
Bem, que cada um tire suas
conclusões. Eu já tirei as minhas...
(Fontes pesquisadas: Jornal Folha
de São Paulo, edição de 06/10/2012, caderno ciência + saúde; www.mestre-cervejeiro.com;
pt.wikipedia.org/wiki/cerveja; www.brejas.com.br)
Ótimo texto!
ResponderExcluirFico muito feliz com informações disponibilizadas aos brasileiros para que possam refletir se a "loira estupidamente gelada" é uma cerveja boa... eu já nem considero que essas bebidas possam ser chamadas de cerveja...
Gostaria de fazer apenas uma correção: nem todas as Stouts tem alto teor alcoólico.
A própria Guinness tem teor alcoólico menor do que as cervejas(?) mais cconsumidas no Brasil (4.2%),
vejam:
http://beeradvocate.com/beer/profile/209/754
Carlos